sábado, 27 de agosto de 2016

PKD no Observador


Um artigo interesante, embora breve, sobre Philip K. Dick, da autoria de Isilda Sanches, que o apelida da mesma forma como antes se apelidava Isaac Asimov - O Homem que Sabia Demais - embora aqui com um sentido claramente mais... paranoico. No entanto, Isilda Sanches consegue, no breve espaço de um artigo estival agregar uma série de reflexões e informações sobre a obra do mestre californiano, e a sua influência sobre a cultura popular, que permitem uma boa introdução àqueles leitores menos familiarizados com ela.

Achei curiosa a coincidência entre a forma como Sanches descreve a sua exploração inicial da obra dickiana e a minha própria experiência, em tudo similar. De lamentar, porém (para além da brevidade - a autora não refere sequer títulos fundamentais de Dick como Ubik ou The Three Stigmata of Palmer Eldritch), que embora reconheça a existência de um estigma cultural que leva a que a FC seja percepcionada como um género menor, não se escuse ela própria (quiçá involuntariamente, quiçá por infelicidade de expressão, quiçá por perceber a FC essencialmente através do cinema) a tentar remover a obra de PKD da matriz mais ampla da Ficção Científica ("depressa percebi que a sua escrita está muito para lá do que dizem as regras do género" - que regras? de que forma delas se distingue Dick?), representando ela própria, por reflexo, o género como algo menor, ao considerar, de forma ligeira, e com ênfase, que "K. Dick só usou a matriz da FC para dar voz às histórias (e paranoias) que ecoavam na sua cabeça." Mas não é assim com todos os autores de FC? Ou de qualquer outro género literário?

E ao acrescentar que "Mesmo nos primeiros contos, escritos a metro para revistas da especialidade, o fundamental não é a vida alienígena ou a ameaça das máquinas, mas os seres humanos e os fundamentos do real", parece não se aperceber, ao misturar elementos meramente adjectivos do género, com a mais ampla questão ontológica, que está a roçar ao de leve o porquê do fracasso de Dick como autor do mainstream e o seu enorme sucesso no gueto genérico: é que Dick só podia explorar cabalmente os fundamentos do real e as histórias e paranoias que ecoavam na sua cabeça, por recurso à vida alienígena e à ameaça das máquinas. O mesmo é dizer, só abraçando o que dizem as "regras do género", só através da Ficção Científica, pôde Dick ser Dick, escrever o que escreveu, e explorar, como explorou, os fundamentos do real.  

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